Eu tinha 6 anos Havia pouco tempo que meus pais, minha irmã e eu estávamos em São Paulo procedentes da Hungria. A vida era muito difícil. Meu pai era alfaiate e minha mãe costureira. Uma velha máquina de costura e um velho ferro de passar eram os instrumentos de trabalho. Nós erámos pobres. Naquela época as crianças brincavam na rua. A comida era escassa, mas no Shabat e nos dias festivos a mesa era mais farta e havia também guloseimas. Ganhar brinquedos era um sonho impossível, pois o dinheiro era muito pouco.
Eu queria muito ter uma boneca! Até hoje não sei porque, imaginava que seria o carteiro que a traria. E um dia, ela veio. Não foi o carteiro que a trouxe. Foi minha mãe que, no dia do meu aniversário, me fez a surpresa. Ganhei uma caixa branca e dentro estava a boneca. Era linda! Bochechas rosadas e olhos negros com vestido amarelo de babado branco em volta do pescoço. Todinha de papelão!
A caixa era comprida e mais parecia uma caminha. Tinha um travesseiro pequeninho amarelo e um cobertorzinho de retalhos coloridos que minha mãe tinha preparado com todo carinho.
A minha boneca era a coisa mais linda do mundo! Eu brincava com ela o dia todo. Era minha filhinha que eu acalentava com carinho, a amiga com quem eu conversava e a quem eu contava histórias e tudo que acontecia na minha vida de menina.. A noite, ela dormia comigo. Era a minha melhor amiga e, para mim, ela tinha vida.
Na época não havia ainda bonecas de porcelana. Existia a boneca de celuloide de material mais resistente, porém altamente inflamável e que era muito cara. Uma boneca de papelão era a única coisa que minha mãe podia me proporcionar. Esta boneca me trouxe muita felicidade. Eu a carregava sempre comigo.
No início da minha vida escolar e, muito a contragosto, tinha que deixar a minha amada boneca em casa escondida da minha irmã mais nova. Eu a guardava escondida, enroladinha nos cobertores bem debaixo dos meus vestidinhos. Um dia ao voltar da escola procurei a boneca. Não estava no lugar onde a tinha deixado!.
Onde estaria a minha boneca! De repente dei um grito agudo, terrível, me deparei com algo horrível, fiquei imóvel. Minha mãe veio correndo, assustada para ver o que estava acontecendo. ….-“”Mataram a minha boneca… mataram a minha filhinha… vocês mataram a minha filha..” Chorava e gritava.. Eu tinha encontrado o que restava da minha boneca.
Durante a minha ausência, minha irmã, que tinha apenas 4 anos, encontrou a boneca e brincando, pegou uma bacia de água e deu um banho nela… Naturalmente, foi um desastre! Com os restos do papelão molhado na mão, ou melhor, a massa do papelão, eu tentava encontrar o rosto da boneca.
Fiquei inconsolável. Eu chorava muito e de nada adiantavam as palavras da minha mãe.
A tristeza tomou conta de mim de tal forma que a noite fiquei com febre alta. O médico veio me ver. Tentou vários remédios, mas a febre não cedia.
Nada adiantava. Então ele chamou minha mãe -: “Clinicamente ela está bem, mas a febre é consequência do estado emocional!”
Meus pais ficaram muito preocupados. Os dias passavam e aos poucos a febre foi baixando e devagar fui melhorando. Eu estava fraca, sem febre, mas continuava muito triste.
Dizem que o tempo é o melhor remédio.. Eu concordo..
Quando completei 9 anos meus pais me presentearam com uma verdadeira boneca de porcelana com cabelo e roupinhas, do jeito que sempre tinha sonhado.
No entanto, nunca esqueci a minha querida boneca de papelão que tanto amei e que ficou na minha memória.
Isto aconteceu há 85 anos.
Marie Claire