Toda quinta-feira costumo almoçar com as minhas colegas do curso de teatro num restaurante que fica na esquina da Rua Milton Prado.
Três prédios adiante, na mesma rua , no portão de um prédio de 3 andares, há 3 cadeiras que o zelador gentilmente lá coloca para permitir que as senhorinhas possam aguardar sentadas a perua que as transportará para o Clube da Amizade, onde participam de diversas atividades.
Naquele dia, para me proteger do sol forte, eu estava usando o meu novo chapéu. Estava me dirigindo para aquele local, a fim de descansar quando notei que uma das cadeiras estava ocupada . Estranhei! O calor estava sufocante. Ainda bem que podia me sentar. Faltavam 30 minutos para a perua passar. Sentei.
O ocupante da cadeira ao lado, um senhor aparentando 70 anos, de cabelos brancos, rosto enrugado, olhos castanhos e barba por fazer estava olhando para as pequenas nuvens que formavam desenhos ilusórios. Ele vestia uma camisa polo azul de gola branca, uma calça velha desbotada e sapatos de couro preto que pareciam ter saído das mãos do engraxate. Observando melhor, os sapatos mais se assemelhavam aos de um ‘pé-de-valsa’ aguardando a próxima música!
Olhou para mim com um sorriso curioso e deixou transparecer os dentes maltratados e que provavelmente não viam uma escova há tempo.
Lá estava ele sentado. Na mão segurava dois tubos semelhantes aos que contêm charutos. Um tinha o emblema do Corinthians e o outro o emblema do Palmeiras.
-“Quer comprar um perfume bom?”. Ele abordava as pessoas que transitavam na sua frente. Tentava vender ali mesmo, sem sequer levantar da cadeira. Olhou para mim novamente. -“ Quer comprar um, é bom demais, vai te deixar estonteada!”. Virei a cabeça e num momento de distração borrifou o perfume no meu braço. Que cheiro forte; cheiro de baile de
carnaval onde os odores ficam juntos e misturados. Soltei um ai! Ele riu e perguntou -“ Como se chama?” comecei a ficar sem jeito. –“ Aha, então o seu nome é Luisa, bonito nome. Eu sou viúvo há 4 anos.! “ Um casal passou na frente dele, e – “…vai um perfume aí?!” -“..Então,.. bonito nome.
Você vai onde; tem namorado? É, minha esposa se foi, mas eu estou aqui e não estou morto!”. Esta conversa já estava me incomodando muito. Virei a cabeça para direita, para esquerda, olhei para o meu relógio de pulso. Ainda faltavam 20 minutos para a perua chegar.
-“ É muito ruim ficar sem companhia feminina; quero alguém que possa cozinhar, lavar e cuidar de mim. Sabia que eu também almoço naquele restaurante. Eu te vi no restaurante! Hoje, como está muito quente resolvi descansar um pouco aqui.” De repente, num gesto inesperado , pegou na minha mão. . Me assustei, tirei a mão, fiquei irritada. –“Sem toque, por favor, sem toque! Use a boca para falar; e não as mãos!” Eu estava visivelmente aborrecida.
–“ Não precisa ficar nervosa. Eu procuro uma companhia. Você é bonitona. Apesar do chapéu posso ver que tem cabelos loiros e certamente atrás destes óculos de sol se escondem olhos negros e profundos…” Será que ouvi direito? Que cantada! Olhei para todos os lados e nada da perua aparecer. Pensei em atravessar a rua para ter sossego, mas estava tão abafado, tão quente; porque iria para o outro lado?!. Afinal, este era o meu lugar, o lugar de direito e de sempre!.
Aí soltou mais uma pergunta :-“Você quer namorar comigo?” Dei risada. Este velho senhor estava ficando bem abusado ! –“Não”.
-“ Eu sou um bom partido, sabe. Hoje não vendo apenas perfumes; vendo também anéis.” Se curvou e pegou uma pasta que estava debaixo da cadeira. Tirou um rolo, um porta-joias que abriu e me mostrou vários modelos de anéis com pedras. –“Olha só que bonitos e como brilham. Esta é safira, esta é ametista, esta é topázio, olha é ônix e aquamarine. Tudo falso… mas bonito,!” Não consegui me conter e soltei uma gargalhada.
-“ Há muitos anos eu fui ourives da H.Stern. Fazia modelos exclusivos e também ajudava nas vendas. Naquela época eu ganhava muito dinheiro e fazia exposições. Até um prêmio eu ganhei. Veja este que lindo! “ Me mostrou um anel com uma pedra azulada, uma bijuteria barata. –“ Não quer comprar um anel; faço um precinho. Não gostou de nenhum?” Dei a entender que não estava interessada. –“Então, quer casar comigo?” Inconveniente!
Onde estava a perua! Ele continuou –“..Então você me diz o seu nome todo, a gente vai passear depois vai namorar, depois vai no cinema, e…” Meu nome todo? Levantei da cadeira, andei um passo, olhei para todos os lados
e para o relógio. Eu não aguentava mais este xexelento. Olhei para ele com um ar de desprezo -:”Sem chance!”. Pessoas passavam na calçada e ele tornava a oferecer perfume. Ele olhou para o alto, balançou a cabeça e deu um suspiro –“Estou vendo que ‘deste mato não sai coelho’. Vai ser difícil conseguir comprador aqui” Guardou os tubos de perfumes, fechou o porta-joias e colocou tudo dentro da pasta. –“..Então, vamos casar?” Dei risada. Finalmente a perua estava chegando. :-“Até logo senhor!” Levantei subitamente, atravessei a rua e entrei na perua! Salva pelo gongo! Foi tudo tão rápido que o paquera, aquele individuo desconhecido, só ficou olhando sem entender direito o que estava realmente acontecendo..
Marie Claire
Setembro/2014