Sempre gostei muito de estudar.
Tinha 14 anos quando meu pai me tirou da escola. Faltava pouco para completar o colegial. –“Meninas não precisam saber muito”. “Você vai me ajudar. Vai ficar no armazém enquanto fico no açougue”. Meu pai era muito severo e não aceitava “não” como resposta.
Fiquei muito triste. Eu gostava tanto dos livros e da escola! Meu sonho era me formar em Direito, me tornar defensora das leis. Eu detestava aquele trabalho; o dia todo atrás de um balcão servindo até bebida para um bando de homens toscos! Hoje reconheço que aquele não era um trabalho para uma menina da minha idade.
Meu pai, porém, não era uma pessoa muito refinada. Trabalhava muito. A cultura dele se limitava ao terceiro ano do primário. Era um bom pai, no sentido de não deixar faltar comida na mesa. Raramente havia um gesto de carinho para os filhos e não me recordo de ter havido uma só vez em que ele levantou a voz conosco, mas quando pronunciava uma palavra era muito enérgico.
Eu queria a todo custo continuar os estudos mas como fazer! Minha tristeza era tanta que de noite enfiava a cabeça no travesseiro e chorava baixinho para não ser ouvida pelas minhas irmãs que dormiam no mesmo quarto. Durante o dia, nas horas vagas, eu lia e relia os livros escolares, única leitura permitida, pois meu pai proibia livros e eu não queria esquecer o que já tinha aprendido. Sempre repetia: “Meninas não precisam saber muito. Basta saber ler e escrever mais ou menos; é suficiente. Filosofar, só com as panelas!”. Eu até já tinha decorado os livros!
O tempo passou e aos 17 anos meu pai me casou. Casamento arranjado. Eu tive sorte! Meu marido era um homem bom, compreensivo e com formação universitária. Bem mais velho do que eu. Um companheiro que aprendi a amar muito.
Tive 3 filhos maravilhosos. Cresceram; saíram debaixo das minhas asas.
No entanto, o desejo de dar prosseguimento aos meus estudos estava sempre presente. Pedi, implorei meu marido para me deixar voltar aos estudos.
Então, ele decidiu que eu poderia retornar aos estudos e terminar o inacabado. Porém, não foi exatamente como eu desejava. Voltar aos estudos eu poderia, mas deveria me formar em contabilidade para poder ajudar na parte administrativa dos negócios. Sem outra opção achei melhor concordar. Foi assim que me formei contadora.
Contudo, não estava feliz. O que eu queria era cursar Direito e defender causas. Isto me fascinava. Na época meu filho mais velho entrou no cursinho pré-vestibular para seguir o curso de veterinário e um dia chegou perto de mim, me abraçou, pegou na minha mão e disse:
– “ Mãe, porque não faz o cursinho comigo; pode deixar que eu vou falar com papai”. Fiquei surpresa! O meu coração bateu mais forte. Fiquei ansiosa; estava com certo receio. Será que ele ia conseguir aprovação do pai. Ouvi os dois conversarem na sala. O dia passou e a noite, na hora do jantar, para minha alegria o meu marido declarou que apoiava a ideia de retornar a faculdade. Fiz o cursinho junto com o meu filho. Eu estava radiante.
Veio o grande dia e fiz o exame. O sonho estava prestes a se realizar. Quando fui verificar o resultado quase desmaiei de felicidade. Meu nome estava na lista e no segundo lugar. Fui aprovada! Meu filho me abraçou, me beijou, me apertava as mãos e sorria todo orgulhoso.
Cinco anos mais tarde me formei em Direito Civil com mestrado.
Hoje, aos 89 anos, sou uma advogada aposentada cujo sonho se tornou realidade e cujos esforços foram recompensados.
Nunca diga “não posso”!