O que vou contar aconteceu em 1949, uma época em que a ‘turma do Cambuci’, formada por moças e rapazes, se reunia uma vez por semana para ir dançar ou ir ao cinema. Era um grupo de jovens cujos pais, fugindo das atrocidades da guerra, se tinham refugiado no Brasil
Isaac e Simão, que eram amigos inseparáveis também faziam parte da turma. Às quartas-feiras, como era costume, as moças iam ao cinema na “Soirée das Moças” .
Havia muita amizade entre o grupo.
Isaac era ótimo dançarino e eu era seu par constante nos bailinhos. A gente se entendia muito bem e sempre que podíamos ficávamos horas e horas conversando. Foi através destas longas conversas que comecei a conhecer melhor o Isaac. Tinha 24 anos e era filho mais velho de pais poloneses. Moreno alto, magro, com cabelos castanhos e cacheados, tinha um coração de ouro e estava sempre pronto a ajudar quem precisasse. Rapaz inteligente, divertido e carinhoso. Foi assim que após meses de convivência, nossa amizade tornou-se namoro. Mas, Isaac também tinha um sentimento sionista que me incomodava um pouco, pois ficava muito tempo longe de mim. Ele estava terminando a sua formação de monitor num movimento juvenil judaico sionista que havia perto de Valinhos, o “Achshara”. Isto iria permitir a ele a experiência de conviver um ano em Israel.
Numa destas “Soirée das Moças”, quando eu estava assistindo um filme com a minha prima, Simão entrou no meio da sessão para se infiltrar na mesma fileira onde eu estava. Sentou-se ao meu lado e cochichou no meu ouvido : -” Por favor venha comigo; há uma pessoa que quer lhe falar lá fora”.
Na calçada estava o Isaac nervoso andando pra lá e pra cá. Ao me ver, sem aguardar minha pergunta e sem tomar folego disse –”Olha, estou terminando “Achshara” em Valinhos, logo viajarei para Israel e quero que você venha comigo. A gente vai, fica junto e depois de chegarmos, lá eu me caso com você, aceita?!”. Fiquei atônita!
A verdade é que sempre esperei um dia ouvir alguém fazer o pedido, mas de uma maneira mais romântica! Pedido de casamento feito desta forma, sem “pompas e circunstâncias” …Só podia ser brincadeira!
Como levar a sério alguém que faz um pedido tão sério de maneira tão leviana. Tamanha foi a surpresa que não consegui pensar direito e nem responder!
Contei o ocorrido para meus pais.
Ficaram decepcionados. –“Isaac é um bom rapaz, mas um rapaz de boa família deve falar com os pais da moça quando se trata de casamento”. – “Ainda mais se tratando da minha única filha!”. Foi o que disse meu pai.
Durante os três meses que se seguiram Isaac ficou me evitando, sem dar notícias e eu estava bastante chateada e sem saber o que fazer. Então meu pai decidiu que era hora de saber das intenções do jovem. Isaac tinha mencionado casamento mas tinha se esquivado. No entanto continuava a frequentar o mesmo círculo social. Vendo a minha tristeza meu pai refletiu e convidou Isaac para uma conversa. Queria saber se e quando seria o noivado para poder programar e marcar o casamento. Isaac veio e depois de ouvir meu pai, exclamou : –“Noivar,… casar..? …Eu disse que, se ela fosse viajar comigo para Israel, aí sim casaria … mas só se ela fosse comigo para Israel. Como não é o caso, não quero noivar e.. casamento nem falar!!”. Fiquei desapontada, triste, terminamos o namoro e meu pai mostrou-lhe a porta.de saída….
Passaram-se nove meses e meio. Aos poucos fui tentando esquecer e me conformar; eu estava com o coração partido!
Um dia Simão apareceu em casa -“ Por favor venha comigo. Tem alguém do outro lado da rua que quer lhe falar”.
Saí de casa e meu coração bateu forte, lá estava o Isaac.
Estava bem abatido, com barba por fazer e com profundas olheiras;
Quando me viu, veio em minha direção correndo, parou na minha frente e com os olhos lacrimejando falou -“ Desde o nosso último encontro não consigo dormir; você não me sai do pensamento. Eu fui um bobo, não sei o que deu em mim, mas tive muito tempo para refletir, não devia ter falado daquele jeito. Me perdoe, me perdoe!! Quero começar a minha vida e formar família com você. Vou te levar para Israel sim e, sim, vamos casar aqui para a felicidade das nossas famílias. Eu te amo e te quero como esposa. Você é a minha escolhida, a mulher da minha vida! Case comigo”. Ah, foi um pedido tão romântico !
Então, sob a garoa fina, de uma tarde fria de inverno, numa esquina pouco movimentada da rua Augusta. eu disse o SIM. A alegria foi total!. Nosso enlace foi em 1950. Foram 59 anos de convivência e de casamento muito feliz e abençoado com dois filhos.
Um privilégio ser sua amiga, e agora, admiradora de seu trabalho.
Adorei esse texto em especial, muito bem escrito e cativante. Com a dose certa de emoção. Parabéns!!
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